quarta-feira, 23 de setembro de 2009

As coisas dos tempos

Vai passar nessa avenida um samba popular
Cada paralelepípedo da velha cidade essa noite vai se arrepiar
Ao lembrar que aqui passaram sambas imortais
Que aqui sangraram pelos nossos pés
Que aqui sambaram nossos ancestrais
Num tempo página infeliz da nossa história,
passagem desbotada na memória
Das nossas novas gerações
Dormia a nossa pátria mãe tão distraída
sem perceber que era subtraída
Em tenebrosas transações
Seus filhos erravam cegos pelo continente,
levavam pedras feito penitentes
Erguendo estranhas catedrais
E um dia, afinal, tinham o direito a uma alegria fugaz
Uma ofegante epidemia que se chamava carnaval,
o carnaval, o carnaval
Vai passar, palmas pra ala dos barões famintos
O bloco dos napoleões retintos
e os pigmeus do boulevard
Meu Deus, vem olhar, vem ver de perto uma cidade a cantar
A evolução da liberdade até o dia clarear
Ai que vida boa, ô lerê,
ai que vida boa, ô lará
O estandarte do sanatório geral vai passar
Ai que vida boa, ô lerê,
ai que vida boa, ô lará
O estandarte do sanatório geral... vai passar
(Vai passar - Chico Buarque)
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Após um ano adormecida, sem me contar, sem refletir no papel as coisas que me formaram, reabro este blog com antipatia, indignação e um calor no peito por ver que o que "era pra ter passado" volta cada vez mais forte e retumbante.
Se não vivi essa época que o Chico nos conta e canta tão bem, a li, me apaixonei por sua história e seus personagens...e como a gente se forja também daquilo que é o não vivido mas experimentado pela literatura, pela arte... me faço um pouco a partir dos Anos de Chumbo, daqueles que sonharam, brigaram e amarguraram em nome de uma liberdade de expressão cerceada pelas botas pretas e cabeças tortas.
E há um pouco mais de um ano pude depara-me com uma pequena amostra desses tempos..."o bloco dos Napoleões retintos" dentro das instituições que deveriam primar pela construção coletiva de uma sociedade mais igualitária e justa. Não tinham botas pretas, nem torturas físicas...mas como sabem de camisa social e tinta no cabelo torturar psicologicamente almas que prezam por uma justiça que está escrita, mas não se faz.
E deste modo desisti...
E hoje de outro lado (efetivamente só muda o lado do viaduto) indigno-me novamente com as velhas camisas e outros ternos, numa fome voraz que só aumentou com o tempo inerte que hibernou. Sedentos por mais poder, famintos por uma espécie de manipulação e convencimento baixos, sórdidos...cercados por gente que prefere arriar as calças ao invés de brigar.
Triste ver a Universidade Pública desse país comandanda por essas estirpes...triste ver meninos e meninas cooptados por meros assentos em DAs que um dia foram estandarte de luta. Triste ver a educação de nosso jovens e a produção do nosso conhecimento ignorados por homens e mulheres de pouca visão.
Um pouco feliz ao menos por perceber que a luta ainda pode ser feita...e que posso ainda ser subjetivada e subjetivar-me da esperança da prática política, se não capaz de revoluções sociais, mas transformadora de almas.
E aos que batem "palmas para a ala dos barões famintos"...cuidado pois "a pátria mãe tão distraída, sem perceber que é (era) subtraída em tenebrosas transações".
Aos que "leva(va)m pedradas feito pernitentes"...."a evolução da liberdade até o dia clarear"!!!!
Aline Moraes